Muitas vezes, como pais, técnicos especializados ou professores, questionamo-nos sobre quais os melhores métodos para trabalhar com crianças e jovens disléxicos. Costumo dizer, para o ensino em geral, que qualquer método é bom desde que seja bem aplicado por profissionais competentes e envolvam o aluno como agente ativo do processo de ensino e aprendizagem, isto é, desde que o aluno participe ativamente na construção do saber e o professor promova mais o aprender do que o ensinar. Ora, isto, em termos gerais, também é verdade para os alunos disléxicos. No entanto, há que ter em conta que estes jovens, devido aos problemas específicos de leitura que, muitas vezes, os impede de terem acesso à compreensão, necessitam de uma intervenção específica na sala de aula (ao longo de toda a escolaridade) e especializada fora dela (pelo menos até atingir uma eficácia leitora que permita a compreensão de textos com um grau de lisibilidade adequado à idade e ano de escolaridade). Assim, a intervenção individualizada em crianças e jovens disléxicos deve ter na sua génese programas estruturados, a partir de métodos fónicos, multissensoriais, sequenciais e cumulativos. Em Portugal, já existem materiais que foram construídos tendo em conta esta metodologia (1). No entanto, a sua aplicação deve ser cuidadosamente analisada: nem todos os alunos necessitam de todo o programa e alguns alunos necessitam mesmo de revisitar algumas atividades. O aplicador deve ser ao longo de todo o percurso um investigador, cuja observação (até dos níveis atencionais e estado emocional) pode fazer a diferença. Não esquecer que as reavaliações feitas periodicamente com a intenção de aferir mas também de mostrar a evolução ao jovem intervencionado é crucial. Por fim, gostaria ainda de referir neste breve texto que a ignorância tem sido o pior inimigo dos disléxicos, por isso o primeiro passo será dominar alguns conceitos ligados ao tema da dislexia. Transcrevo, também com esse propósito, a seguir, um excerto de um texto de Teles (2004) que nos transmite de forma clara e breve algum saber sobre dislexia. Aconselho no entanto a leitura integral do texto.
(1) Salienta-se que alguns destes materiais são adequados à aprendizagem da leitura de qualquer aluno, não exclusivamente dos disléxicos, por exemplo, os materiais do método Distema, da Dr.ª Paula Teles.
Jorge da Cunha
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Dislexia: Como identificar? Como intervir?
O saber ler é uma das aprendizagens mais importantes, porque é a chave que permite o acesso a todos os outros saberes. A leitura e a escrita são formas do processamento linguístico. Aprender a ler, embora seja uma competência complexa, é relativamente fácil para a maioria das pessoas. Contudo um número significativo de pessoas, embora possuindo um nível de inteligência médio ou superior, manifesta dificuldades na sua aprendizagem. Até há poucos anos a origem desta dificuldade era desconhecida, era uma incapacidade invisível, um mistério, que gerou mitos e preconceitos estigmatizando as crianças, os jovens e os adultos que a não conseguiam ultrapassar. Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados dos recentes estudos sobre funcionamento do cérebro durante as atividades de leitura e escrita e dar resposta a diversas questões: Como funciona o cérebro durante as atividades de leitura? Quais as competências necessárias a essa aprendizagem? Quais os défices que a dificultam? Quais as componentes dos métodos educativos que conduzem a um maior sucesso?
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A leitura é uma competência cultural específica que se baseia no conhecimento da linguagem oral, é contudo uma competência com um grau de dificuldade muito superior à da linguagem oral. A linguagem existe há cerca de 100 mil anos, faz parte do nosso património genético. Aprende-se a falar naturalmente sem necessidade de ensino explícito. Os sistemas de escrita, sendo produtos da evolução histórica e cultural, são relativamente recentes na história da humanidade, existem apenas há cerca de 5 mil anos. A escrita utiliza um código gráfico que necessita de ser ensinado explicitamente. Para decifrar o código escrito, é necessário tornar consciente e explícito, o que na linguagem oral era um processo mental implícito. Os processos cognitivos envolvidos na produção e compreensão da linguagem falada diferem significativamente dos processos cognitivos envolvidos na leitura e na escrita. A procura de uma explicação neurocientífica cognitiva, para a leitura, tem sido objeto de uma imensa quantidade de estudos. Os resultados têm sido convergentes apresentando um conjunto bastante consistente de conclusões.
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Aprender a ler não é um processo natural. Contrariamente à linguagem oral a leitura não emerge naturalmente da interação com os pais e os outros adultos, por mais estimulante que seja o meio a nível cultural. Para aprender a ler é necessário ter uma boa consciência fonológica, isto é, o conhecimento consciente de que a linguagem é formada por palavras, as palavras por sílabas, as sílabas por fonemas e que os caracteres do alfabeto representam esses fonemas. A consciência fonológica é uma competência difícil de adquirir, porque na linguagem oral não é percetível a audição separada dos diferentes fonemas. Quando ouvimos a palavra “pai” ouvimos os três sons conjuntamente e não três sons individualizados. Para ler é necessário conhecer o princípio alfabético, saber que as letras do alfabeto têm um nome e representam um som da linguagem, saber encontrar as correspondências grafo-fonémicas, saber analisar e segmentar as palavras em sílabas e fonemas, saber realizar as fusões fonémicas e silábicas e encontrar a pronúncia correta para aceder ao significado das palavras.
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Para realizar uma leitura fluente e compreensiva é ainda necessário realizar automaticamente estas operações, isto é, sem atenção consciente e sem esforço. A capacidade de compreensão leitora está fortemente relacionada com a compreensão da linguagem oral, com o possuir um vocabulário oral rico e com a fluência e correção leitora. Todas as competências têm que ser integradas através do ensino e da prática.
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As dificuldades na aprendizagem da leitura têm origem na existência de um défice fonológico. As crianças com dislexia embora falem utilizando palavras, sílabas e fonemas, não têm um conhecimento consciente destas unidades linguísticas, apresentam um défice a nível da consciência dos segmentos fonológicos da linguagem, um défice fonológico. As crianças que apresentam maiores riscos de futuras dificuldades na aprendizagem da leitura são as que no jardim-de-infância, na pré-primária e no início da escolaridade apresentam dificuldades a nível da consciência silábica e fonémica, da identificação das letras e dos sons que lhes correspondem, do objetivo da leitura e que têm uma linguagem oral e um vocabulário pobres.
Os fatores motivacionais são muito importantes no desenvolvimento da capacidade leitora dado que a melhoria desta competência está altamente relacionada com o querer, com a vontade de persistir, pese embora, as dificuldades sentidas e a não obtenção de resultados imediatos.
Teles. P. (2004). Dislexia: Como identificar? Como intervir? Revista Portuguesa de Clínica Geral,, Vol 20, Nº5.