A aventura de ser mãe de
um disléxico
Carta da mãe do Pipo
Ser mãe
de um disléxico é uma aventura única! Estávamos em março/abril de 2000 e o
Felipe (ou Pipo como preferirem),
meu filho, com 6 anos na época, não queria ser alfabetizado. Ele estava no pré-escolar
e recusava-se fazer os trabalhos de casa, não se interessando por quaisquer
atividades que o levassem à leitura de uma simples palavra ou texto. Na época,
estudava numa escola pequena perto de casa. O que fazer? Transferi-o para uma
escola maior, o colégio alemão, onde não alfabetizavam os alunos no Pré, mas
sim na fase seguinte. O período de calmaria durou pouco. Quando chegou a época
da alfabetização, o problema agravou-se.
Como sou
professora, não compreendia como uma criança dos 6 para os 7 anos, que jogava
xadrez comigo (e arrasava comigo!), podia não aprender a fazer uma conta de
adição ou ler qualquer palavra por mais simples que fosse. Tentei de tudo:
montar um caderno com palavras cruzadas da Mónica e do Cebolinha, estudo
dirigido de matemática, mas vi que era somente um paliativo. O problema maior
persistia.
Comecei
então a fazer revisões de todas as lições de casa com ele todos os dias… Houve
poucos progressos… Daí, descobri que a paciência que eu tinha com os meus
alunos universitários, não era a mesma com meu próprio filho. A minha angústia
aumentava a cada dia. O que fazer? Este era um dos meus problemas, visto que
estava a passar por uma situação delicada: a minha separação do pai dele.
Nesse
meio tempo conheci uma escola de reforço perto de casa (Núcleo Estudantil) cujos proprietários – Prof. Mário e
Prof.ª Roseli foram o meu braço direito com o Felipe. Devo-lhes o sucesso académico
do meu filho! Tirei-o do colégio alemão para uma escola menor. O Felipe já
estava na 3.º ano, passando de ano, mas com muito sacrifício. Estudar não pode
ser tão massacrante!
Após
diversas conversas com a assistente pedagógica da escola, levei-o ao
neurologista. Diagnóstico: distúrbio de atenção sem hiperatividade e dislexia.
Levei o Felipe ao Dr. Erasmo Barbante Casella um neurologista infantil que me
alertou que a maior incidência de disléxicos e TDA (PHDA) ocorre em gravidezes
tardias, parto demorado e hereditariedade – o Felipe se encaixava nos três!
(Ele nasceu depois de 13h de trabalho de parto, de uma mãe, na época, de
38 anos de idade e um pai que apresentava certas dificuldades na época escolar.)
Havia
ainda a necessidade de confirmar o diagnóstico o que fiz com especialistas da
área. Com diagnóstico na mão, descobri que na Zona Norte de São Paulo, onde
moro, não havia escolas preparadas para receber alunos fora dos padrões
“normais”.
Na
pequena escola, o Felipe permaneceu até ao 5.º ano. No final deste ano, e já
desgostosa da falta de atenção que meu filho recebia na escola, fui conversar
com a orientadora educacional do Mackenzie e, na posse de todos os pareceres
possíveis, perguntei-lhe: é possível cuidar do meu filho, nestas condições? E ela
disse-me: “Sem problemas!” Daí, matriculei-o no Colégio Presbiteriano Mackenzie
e ele iniciou em 2006 o 6.º ano.
Dentro
do Mackenzie, e com reforço escolar no Núcleo Estudantil, a minha vida e a vida
do Felipe mudou completamente! Tenho somente um arrependimento na vida:
Não ter levado o meu filho para o Mackenzie quando o diagnóstico apareceu! Bem,
não se pode ser perfeito em tudo.
Dislexclub.com
(Texto com adaptações)
A aventura de ser disléxico
Carta do Pipo
Há um
tempo lancei a seguinte pergunta num grupo sobre dislexia de que faço
parte no Facebook: “Qual é a
vossa expectativa quando a semana começa e o vosso filho vai para a escola?”
Tomando como base as minhas próprias experiências de vida, confesso que não
esperava respostas muito otimistas. Não vou generalizar, houve pessoas com
pensamentos muito positivo e animadores, mas são a minoria. Grande parte dos
comentários andava entre “Ah, não, tudo de novo, não!”, “As aulas mal começaram
e eu quero já o fim de semana!”, “O início é sempre complicado como em todas as
outras semanas!”, e por aí fora. O meu objetivo com este texto é passar-vos
umas ideias que deram certo comigo. E além disso, eu não quero que vocês
simplesmente entrem bem na sala de aula, quero que entrem... arrasando!
Façam a vocês
mesmos a seguinte pergunta: “Estudar para quê?” Nós, os disléxicos, perdemos
rapidamente o foco quando uma coisa não nos interessa. Então, muito mais
importante do que a dificuldade causada pela dislexia, é a motivação para
estudar.
Então, o que
fazer? Bem, isto não depende só dos outros, temos de nos motivar a nós mesmos!
Pensem que a escola é o vosso QG (Quartel General), onde vocês vão ser treinados
para conquistar coisas grandes lá fora! Por exemplo: Hoje, eu estudo
publicidade na faculdade, nunca mais na minha vida vou estudar química, física
e biologia – isto quer dizer que estas disciplinas foram inúteis para mim?
Claro que não!
Estudar matérias
que definitivamente não eram a minha praia, além de abrir a mente para
coisas novas, fez com que eu treinasse a minha persistência para
enfrentar as mais adversas situações do dia-a-dia de trabalho.
Se vocês são
disléxico, provavelmente já passaram ou passam por alguns problemas dentro da
sala de aula: notas baixas, recuperação, depender do conselho de turma, passar
de ano sempre no limite, ansiedade, stress e por aí fora – sei bem disso,
porque eu também já por aí passei.
Então, o que fazer?
Pode parecer estranho o que vou dizer agora, mas a melhor forma de deixar de
ser o pior aluno da turma é ser o melhor aluno da turma. Como se faz isto?
1.º. Encarar todos os testes como se
fossem uma prova final – nada de nos enganarmos no princípio e tentarmos
recuperar só nos fins dos períodos, porque não vai resultar.
2.º. Quando o
professor mandar fazer um trabalho, este deve ser logo feito – nada de deixar
tudo para as vésperas.
3.º. A dislexia
dá-nos muitos dons, os principais são a Criatividade e a Persistência, então
usem e abusem deles!
Pensemos no seguinte:
nem todos os alunos que tiram 3 ou 10 são alunos de nota 3 ou 10; e nem todos
os alunos que tiram 2 ou 8 são alunos de nota 2 ou 8. Se vocês tiraram 2 ou 8,
mas se se esforçaram muito e deram o vosso máximo, tudo bem, vocês melhoram da
próxima vez. Agora, se vocês só folhearam o caderno, deram uma olhadela na
matéria e foram para o Facebook (ou o
que for), quando tiverem uma nota baixa, não chorem da injustiça, nem reclamem
da escola ou do professor. Todos temos de fazer a nossa parte! A escola também.
Vou contar-vos uma
situação pessoal.
No colégio onde
estudei, o ano letivo era dividido em 1.ª etapa, 2.ª etapa e 3.ª etapa, sendo
que em cada uma delas havia uma provinha
(prova intermédia) e um provão (prova
global). Quando estava no início, acabei a 1.ª etapa com 5 notas vermelhas
(para desespero meu e da minha mãe). Foi aí que comecei a empenhar-me mais,
aumentei as minhas aulas de reforço, e comecei a estudar pelo menos 15 minutos por
dia. Acabei a 2.ª etapa com apenas duas notas abaixo da média, sendo que uma
delas (história) precisava de muito pouco para recuperar. Bom, na 3.ª etapa, a
coisa foi mais emocionante. A outra disciplina em que precisava de recuperar
era geografia, devido a uma certa falta de organização minha na entrega de
alguns trabalhos. Precisava de tirar uma nota alta para passar. Pensam que eu
desisti por isso? Melhorei aquilo que estava mau e aperfeiçoei aquilo que funcionava
na minha forma de estudar. Quando recebi a prova, tinha tirado uma nota acima
daquilo que precisava.
Depois de toda a
correria do meu 1.º ano no colégio, eu tinha aprendido uma lição muito
importante: aproveitar bem o meu tempo. Com isto na cabeça, os meus 2.º e 3.º
anos foram mais tranquilos, em nenhum dos dois tive notas abaixo da média.
Como eu disse
antes, não há nenhum problema em ser mau em algumas matérias, o problema é o
que vocês fazem em relação isso.
Duas coisas que
funcionaram bastante bem comigo:
1.ª. AULAS
PARTICULARES DE TREINO: fiz aula de reforço dos 10 aos 17 anos, e foi um
dinheiro muito bem empregue pela minha mãe. A maior contribuição que me deram,
além dos conteúdos, foi que aqueles professores sempre esperavam mais de mim,
eles realmente acreditavam em mim, tinham expectativas maiores para mim.
2.ª. ENVOLVER-SE
COM PESSOAS INTELIGENTES: já perceberam que os marrões são as pessoas mais populares da escola na época das
provas, pode ser que durante o ano ninguém troque uma palavra com eles, mas, na
correria do final dos períodos, eles são sempre disputados. Como me ensinou a
minha mãe: “Diz-me com quem andas, e eu dir-te-ei quem és”, desde os primeiros
dias de aulas, eu fazia amizade com os marrões
da sala, para que, quando chegasse a aflição, eu tivesse com quem contar (algumas
dessas amizades eu ainda cultivo até hoje).
Vou dar-vos um conselho
que eu fazia em todos os meus primeiros dias de aula: chegava junto do
professor depois da aula e dizia-lhe: “Professor, tudo bem? Só queria dizer-lhe
que eu sou disléxico e, de vez em quando, as matérias não entram na minha
cabeça (não se zangue comigo nesses momentos), só o queria informar de que vou conversar
muito consigo quando isto acontecer, pode ser?” O professor vai olhar-vos de
uma forma diferente, pois ele viu que vocês confiam nele.
Outro caso muito
interessante que me aconteceu foi quando, num dia que recebemos as notas
das provas, uma colega me perguntou “Pipo, assim não vale, tu só tens boa nota
porque fazes testes diferentes dos nossos”. A resposta que me veio de repente foi:
“Pois é, quem te mandou nascer certinha?” E a partir daí, as pessoas vinham
perguntar-me sobre dislexia, e foi uma bela porta de entrada para que eu
começasse a consciencializar o pessoal
sobre o que era e como funcionava a dislexia.
Talvez vocês se
perguntem: “Ok, mas consciencializar os meus amigos vai trazer-me algum
beneficio?”, para vocês talvez não (a não ser que ficam a conhecer-vos melhor),
mas se esse amigo encontrar outro disléxico ao longo da vida, ele vai poder
ajudá-lo.
Dislexclub.com
(Texto com adaptações)