Recordando uma
entrevista que Helena Serra deu à EDUCARE.PT há 12 anos, mas ainda muito atual, diríamos mesmo,
tão atual que poderia ter sido dada hoje, salvo, claro alguns pormenores.
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Tem como
paixões a dislexia e a sobredotação e, por observar a realidade como ninguém,
Helena Serra considera que o atual método de ensino nas escolas básicas pode
prejudicar as crianças.
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Helena
Serra é presidente da Associação de Crianças Sobredotadas e vice-presidente
da Associação Portuguesa de Dislexia. Doutorada em Estudos da Criança e
Educação Especial, dá aulas há 40 anos e formação há mais de 20. Quando
ensina, tenta chegar a todos: desde as escolas mais pequenas, a centros de
formação ou a grandes universidades.
EDUCARE.PT: Em média, quantas crianças sofrem de dislexia em
Portugal?
Helena
Serra (HS): No Ensino Básico, serão 10% a 12% do número global de crianças
que o frequentam.
E.: Para fazer face às dificuldades associadas à dislexia, qual deveria
ser, na sua opinião, o método de ensino da língua portuguesa nas escolas?
HS:
Deveriam ser métodos que privilegiassem a análise e síntese auditiva e visual
(analítico-sintéticos).
E.: Acredita que o actual método de ensino possa estar a contribuir para o
aumento das dificuldades de aprendizagem?
HS:
Acredito que sim. Verifica-se que há, muitas vezes, 'falta de tempo em
tarefa', isto é, o treino das diferentes competências, que são básicas e
imprescindíveis, não é proporcionado. Houve até alguns professores do EB 1
que, em contexto de formação, me confidenciaram que não tinham tempo para
ensinar. Por outro lado, creio que no que respeita à importância do
desenvolvimento das pré-competências em relação à leitura, escrita e à
matemática, que devem ser criteriosamente desenvolvidas no pré-escolar e no
período inicial da escolaridade, há ainda um certo alheamento no nosso
sistema educativo. Quanto a isto, penso que deveria ser assumido pelas
escolas e jardins-de-infância um 'estar em tarefa' mais
eficiente.
E.: Apesar de estar previsto na lei, nota que as crianças com dislexia
recebem, na prática, apoio específico das escolas que frequentam?
HS: Tenho
vindo a perceber, através de feedbacks colhidos em vários contextos educativos,
que se verificam situações extremas no caso destes alunos. Por um
lado, há escolas que se esforçam por oferecer apoios pedagógicos dados de
forma individualizada nas disciplinas X Y Z (em que o aluno evidencia maiores
dificuldades) através de professores e crédito de horas disponíveis. Por
outro, há outras escolas que, não dispondo de meios ou não valorizando estas
situações, não facultam estes apoios e os alunos vão procurá-los fora
da escola, em respostas privadas, quando têm possibilidades económicas para o
fazer, ou ficam sem eles, engrossando seriamente as estatísticas relativas ao
insucesso e abandono escolar.
Há todavia um aspecto que importa frisar: mesmo aqueles apoios
disponibilizados em algumas disciplinas, sendo importantes, não são a
resposta essencial de que o aluno está carecido. Nestes alunos,
verifica-se que há áreas de desenvolvimento que, apesar do seu crescimento
físico e avanço na idade, continuam por se desenvolver e permanecem com baixa
eficiência. E se não se treinarem e desenvolverem com estratégias
específicas, continuarão fracas, impedindo um nível de realização favorável.
Portanto, a par dos apoios pedagógicos dados nas diferentes disciplinas, ou
no lugar deles, se houver necessidade de optar, estes alunos necessitam de
apoios específicos para treino de competências nas áreas que, numa avaliação
compreensiva efectuada individualmente ao aluno, se reconheceu que os
desempenhos são impróprios para o nível etário e escola. Esta avaliação
compreensiva e estes apoios específicos deverão tornar-se rotina nas escolas,
devendo ser implementados precocemente: final do pré-escolar e início do 1.º
ciclo do Ensino Básico. Portanto, dessa forma, o sistema educativo adoptaria
uma atitude preventiva (o pouco que se faz é oferecido como processo remediativo),
evitando-se as muitas marcas que estes alunos vão somando e, simultaneamente,
diminuindo estrondosamente o insucesso escolar. Aliás, tal atitude, não
apenas do ponto de vista do respeito dos direitos humanos (ao acesso e
sucesso, à melhor realização em tempo útil), mas até do ponto de vista
económico, traria resultados muito curiosos.
E.:
Considera que a maioria dos professores está preparada para detectar dislexia
nos seus alunos?
HS: São poucos os professores que obtiveram formação sobre esta problemática.
Não lhes tendo sido oferecida nos contextos de formação inicial e não a tendo
obtido na formação ao longa da vida, restar-lhes-ia reuni-la em autoformação.
Mas há aspectos práticos, da avaliação e intervenção, que necessitam de ser
abordados na relação directa. Não culpo os professores por essa falta de
formação porque, pela minha experiência ao longo da última década, percebi
que eles se afirmam radiantes por ter tido acesso a ela e decepcionados
porque consideram que todo aquele conjunto de saberes devia ter-lhes sido
ensinado antes de iniciarem a sua vida profissional. E, às vezes, há
professores já com vinte e mais anos de serviço!
E.: Muitas vezes as famílias são obrigadas a recorrer ao privado para que
os seus filhos tenham orientação pedagógica. O Estado deveria estar mais
presente nesta orientação?
HS: Sem
dúvida e por várias razões. Todos os alunos são cidadãos de primeira e nós
temos legitimidade para exigir responsabilidade a todos os professores, mas,
se estão em causa domínios do saber em que não lhes demos formação, fica
muito fragilizada a supremacia do Estado. Verificam-se múltiplos desgastes
nos alunos, nas famílias e nos professores por falta de conhecimento da
escola sobre a dislexia. A escola só poderá organizar bem as respostas que
tais alunos precisam de ter se tiver professores com formação específica
neste campo. Na minha opinião, os professores do ensino regular têm de passar
a adquirir formação acrescida neste domínio para poder actuar diferentemente
com os alunos, assim como os professores que assumem os apoios
socioeducativos.
E.: Uma criança com dislexia tem capacidade para prosseguir os estudos até
um nível superior?
HS: Nem
imagina quantos eu já avaliei e orientei que estão a frequentar ou já
completaram um curso no ensino superior! Em geral, são inteligentes,
criativos e muitos conseguem desenvolver um elevado nível de resiliência nas
escolas. Alguns, é claro, desistem. O pior mal é quando a vida escolar lhes
deixa as tais marcas negativas e se tornam indivíduos que optam pela
desconstrução.
E.: E um adulto, consegue estabelecer-se num emprego e fazer face à
dislexia?
HS: Claro!
Mais: se a escola e a família, no seu crescimento, não lhe tiverem
prejudicado a auto-estima, percebe-se que se tornam adultos com perfis de
realização muito bons.
E.: E como é afectada a auto-estima de uma criança ou adulto?
HS: Até
que as dificuldades de aprendizagem sejam detectadas, a criança vive
insegura, ansiosa, inibida e sempre receosa de se expor ou, porque saturada
do seu insucesso, vive desgostosa, sem entender o porquê da sua diferença, e
vai assumindo comportamentos desestabilizadores, que revertem de novo sobre
ela, como bola de neve negra na sua vida.
E.: Como lidam os pais, na maioria dos casos, com as dificuldades dos filhos?
Há rejeição, incompreensão, falta de informação?
HS: Há
muita falta de informação e grande desgosto em geral. Há, por vezes, um
enorme cansaço porque já bateram a muitas portas e ainda ninguém lhes
explicou o que se passa com seu filho ou levam-no há anos a um certo apoio e
não há melhoras ou um número enorme de situações de que prefiro não referir
aqui. Só muito raramente há rejeição, mas incompreensão há muita.
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A característica fundamental do desenvolvimento do cérebro é que as experiências ambientais são tão importantes como os programas genéticos (Blakemore & Frith, 2009)