domingo, 3 de outubro de 2021

Pode o disléxico melhorar a fluência leitora?


Fluência leitora e dislexia


É claro que o disléxico pode melhorar a sua fluência leitora.

É claro que cabe à escola proporcionar o desenvolvimento desta competência.

É claro que os quatro primeiros anos de ensino formal são essenciais.

É claríssimo que a aprendizagem da leitura tem sido negligenciada nas escolas portuguesas.

 

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Será talvez importante, antes de avançarmos algumas pistas, perceber o que é afinal a fluência leitora. Assim, de forma esquemática, a fluência leitora é vista tradicionalmente como sendo a capacidade de ler um texto com um grau de lisibilidade adequado à idade de leitura do jovem e sem esforço, utilizando pouca atenção consciente na descodificação (Meyer & Felton,1999). “A fluência, isto é, a capacidade de ler um texto rapidamente, com precisão e com uma boa compreensão do mesmo, é a marca de um leitor proficiente”, confirma-nos Shaywitz (2008/2003, p. 253). A autora, mais à frente reforça que “À medida que os leitores se tornam mais fluentes, tornam-se também mais aptos a compreender melhor” (Shaywitz, 2008/2003, p. 301). Mais tarde, Hasbrouck e Glaser (2012) definiram fluência leitora seguindo a mesma linha de pensamento de Shaywitz, mas acrescentando que uma maior fluência leva não só à compreensão, mas também é um importante vetor para a motivação para a leitura.

 

Algumas características comuns relacionadas com a fluência em jovens disléxicos: Estas características influenciam negativamente (porque perturbam) a compreensão da leitura, tendo de ser, por isso, alvo de atenção, aquando do treino a partir de um programa estruturado.

a) Desconsiderar a pontuação na leitura;
b) lentidão e instabilidade na leitura oral:
c) leitura oral monótona, sem expressividade (prosódia desadequada);
d) escolha de livros desadequados à idade e nível escolar;
e) movimentação ou focagem ocular desadequada (esta capacidade devia ocorrer por volta dos 5 anos).
 
Algumas estratégias para melhorar a fluência leitora:
Salienta-se que estas estratégias têm de ser alvo de análise e adequadas a cada situação.
a) Deixar inicialmente o jovem escolher o tipo de texto que deseja ler. Pode ser banda desenhada, uma revista, uma notícia ou uma lista de assuntos;
b) encorajar a leitura em voz alta. Inicialmente, faça-o também, servindo de modelo. Ouvindo-o ler pode aferir em que palavras o jovem erra, permitindo a correção, e quais as que são mais difíceis para ele (monitorizar a leitura). Alternando a leitura entre si e ele, para além do modelo, impede que o jovem se canse e encare a leitura como um fardo;
c) verificar se o jovem compreendeu o que leu e se sabe o significado de todas as palavras. A leitura torna-se mais fácil e agradável se compreendermos o que estamos a ler.
 
É no entanto imperioso que as escolas olhem a leitura como a sua ferramenta de ensino e aprendizagem mais importante, não deixando nenhum jovem para trás. Se o jovem não aprendeu a ler adequadamente à primeira, deve partir-se para a segunda ou terceira. Uma boa aprendizagem da leitura também nos jovens disléxicos é condição essencial para o sucesso académico e profissional, e, acima de tudo, para o equilíbrio socioemocional de qualquer jovem.

Jorge da Cunha

 

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Referências

Hasbrouck, J., & Glaser, D.R. (2012). Reading fluency: Understanding and teaching this complex skill. Austin, TX: Gibson Hasbrouck & Associates.

Meyer, M. S., & Felton, R. H. (1999). Repeated reading to enhance fluency: Old approaches and new directions. Annals of Dyslexia, 49, 283–306. https://doi.org/10.1007/s11881-999-0027-8

Shaywitz, S. (2008). Vencer a dislexia: Como dar resposta às perturbações da leitura em qualquer fase da vida. Porto: Porto Editora. (Versão original de 2003)

domingo, 2 de maio de 2021

Dislexia, eu e os outros



Ter um jovem com dislexia na sala de aula é um desafio e, se quisermos, pode ser uma experiência interessante para todos. 

A primeira etapa deverá ser desmistificar o assunto (Snowling & Stackhouse, 2004/1996). Primeiro, o jovem deve ser bem informado sobre o seu problema; depois, o professor deve estar na posse de informações que demonstrem ao jovem que sabe o que é a dislexia e, principalmente, que sabe adequar o ensino à problemática, isto dá segurança ao jovem e preserva a sua autoestima; por outro lado, o jovem e o professor devem satisfazer a curiosidade dos restantes elementos da turma, porque é natural que todos sintam curiosidade e formulem perguntas que devem ser respondidas com naturalidade e simplicidade, mas respeitando o conhecimento científico que se tem sobre o assunto. Nada é mais prejudicial do que perpetuar incorreções, mal-entendidos e preconceitos.

            Shaywitz (2008/2003) refere seis perguntas que os colegas de um dos seus pacientes fizeram quando souberam que ele tinha dislexia, perguntas esses que levaram a que o assunto ficasse esclarecido através das respostas do professor informado e que não fossem formuladas narrativas que deturpam a realidade e provocam problemas socioemocionais nos jovens com dislexia.

 

Pergunta

Resposta

O que é a dislexia?

É ter dificuldades em aprender a ler.

É para sempre? 

Sim, mas aprendem a ler, pode é demorar mais tempo.

Pode melhorar?

Com treino adequado, a leitura melhora sempre bastante.

Como é que se contrai?

Nascem assim. É como ter olhos castanhos ou verdes, serem altas ou baixas.

Provém de um vírus?

Não. A dislexia não se apanha nem se cura, não é nenhuma doença.

Porque é que tem um nome tão estranho?

Dis=difícil + lexia=palavras, logo: Dificuldade em ler palavras.

 Quadro 1: Perguntas e respostas. Adaptado de Shaywitz (2008/2003), p. 339.

            

        Estas perguntas formuladas pelos jovens servem apenas como ilustração, muitas outras dúvidas poderão surgir. O segredo será sempre tratar o assunto com naturalidade e nunca deixar nada no ar. O próprio disléxico e os pais terão sempre muitas dúvidas, pelo menos no início. Também a eles devem ser fornecidas informações, através de conversas ou encaminhados para sites adequados (no caso dos jovens) à sua idade ou fornecendo-lhes livros com informações pertinentes.

            Um outro aspeto muito importante é tratar o jovem disléxico com naturalidade, sem demonstrar proteção excessiva: “(...) não se mostre paternalista com uma criança nem diminua as suas expectativas. Trate-a sempre como uma pessoa com múltiplas dimensões e não simplesmente como uma pessoa que tem um problema de leitura” (Shaywitz, 2008/2003, p. 241). Como refere Cunha (2010), cabe, portanto, ao professor (e à escola enquanto elemento organizacional nesta matéria) encontrar o equilíbrio entre uma educação formal séria, o equilíbrio emocional dos alunos com problemáticas e os curricula nacionais. Cabe ainda à escola e à família encontrarem respostas adequadas a um percurso equilibrado e emocionalmente estável: “Apesar da questão ambiental não ser a causa da dislexia, pode influenciar no sucesso académico dos alunos e no seu desenvolvimento social e emocional (sobre este aspeto ver também MacNulty, 2003), daí a necessidade de uma formação para a diferença” (Carvalhais et al., 2007, p. 27).


Jorge da Cunha

Maio de 2021

Referências

Carvalhais, L. & Silva, C. (2007). Consequências sociais e emocionais da dislexia de desenvolvimento: Um estudo de caso. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 2, 21-29.

Cunha, J. (2010) Análise e intervenção em problemáticas específicas de leitura. Universidade Nova de Lisboa: FSCH. https://run.unl.pt/bitstream/10362/5138/1/Dissertação.pdf.

McNulty, M. (2003). Dyslexia and the life course. Journal of Learning Disabilities, 36, 4, 363-381.

Shaywitz, S. (2008). Vencer a dislexiaComo dar resposta às perturbações da leitura em qualquer fase da vida. Porto: Porto Editora. (Versão original de 2003)

Snowling, M. & Stackhouse, J. (2004). Dislexia, fala e linguagem: Um manual do profissional. Porto Alegre: Artmed. (Versão original de 1996)

sábado, 9 de janeiro de 2021

Intervenção em Dislexia

Muitas vezes, como pais, técnicos especializados ou professores, questionamo-nos sobre quais os melhores métodos para trabalhar com crianças e jovens disléxicos. Costumo dizer, para o ensino em geral, que qualquer método é bom desde que seja bem aplicado por profissionais competentes e envolvam o aluno como agente ativo do processo de ensino e aprendizagem, isto é, desde que o aluno participe ativamente na construção do saber e o professor promova mais o aprender do que o ensinar. Ora, isto, em termos gerais, também é verdade para os alunos disléxicos. No entanto, há que ter em conta que estes jovens, devido aos problemas específicos de leitura que, muitas vezes, os impede de terem acesso à compreensão, necessitam de uma intervenção específica na sala de aula (ao longo de toda a escolaridade) e especializada fora dela (pelo menos até atingir uma eficácia leitora que permita a compreensão de textos com um grau de lisibilidade adequado à idade e ano de escolaridade). Assim, a intervenção individualizada em crianças e jovens disléxicos deve ter na sua génese programas estruturados, a partir de métodos fónicos, multissensoriais, sequenciais e cumulativos. Em Portugal, já existem materiais que foram construídos tendo em conta esta metodologia (1). No entanto, a sua aplicação deve ser cuidadosamente analisada: nem todos os alunos necessitam de todo o programa e alguns alunos necessitam mesmo de revisitar algumas atividades. O aplicador deve ser ao longo de todo o percurso um investigador, cuja observação (até dos níveis atencionais e estado emocional) pode fazer a diferença. Não esquecer que as reavaliações feitas periodicamente com a intenção de aferir mas também de mostrar a evolução ao jovem intervencionado é crucial. Por fim, gostaria ainda de referir neste breve texto que a ignorância tem sido o pior inimigo dos disléxicos, por isso o primeiro passo será dominar alguns conceitos ligados ao tema da dislexia. Transcrevo, também com esse propósito, a seguir, um excerto de um texto de Teles (2004) que nos transmite de forma clara e breve algum saber sobre dislexia. Aconselho no entanto a leitura integral do texto.

 

(1) Salienta-se que alguns destes materiais são adequados à aprendizagem da leitura de qualquer aluno, não exclusivamente dos disléxicos, por exemplo, os materiais do método Distema, da Dr.ª Paula Teles.

 

                                                                                                                                  Jorge da Cunha


                                             


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Dislexia: Como identificar? Como intervir?

 

O saber ler é uma das aprendizagens mais importantes, porque é a chave que permite o acesso a todos os outros saberes. A leitura e a escrita são formas do processamento linguístico. Aprender a ler, embora seja uma competência complexa, é relativamente fácil para a maioria das pessoas. Contudo um número significativo de pessoas, embora possuindo um nível de inteligência médio ou superior, manifesta dificuldades na sua aprendizagem. Até há poucos anos a origem desta dificuldade era desconhecida, era uma incapacidade invisível, um mistério, que gerou mitos e preconceitos estigmatizando as crianças, os jovens e os adultos que a não conseguiam ultrapassar. Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados dos recentes estudos sobre funcionamento do cérebro durante as atividades de leitura e escrita e dar resposta a diversas questões: Como funciona o cérebro durante as atividades de leitura? Quais as competências necessárias a essa aprendizagem? Quais os défices que a dificultam? Quais as componentes dos métodos educativos que conduzem a um maior sucesso?

(...)

A leitura é uma competência cultural específica que se baseia no conhecimento da linguagem oral, é contudo uma competência com um grau de dificuldade muito superior à da linguagem oral. A linguagem existe há cerca de 100 mil anos, faz parte do nosso património genético. Aprende-se a falar naturalmente sem necessidade de ensino explícito. Os sistemas de escrita, sendo produtos da evolução histórica e cultural, são relativamente recentes na história da humanidade, existem apenas há cerca de 5 mil anos. A escrita utiliza um código gráfico que necessita de ser ensinado explicitamente. Para decifrar o código escrito, é necessário tornar consciente e explícito, o que na linguagem oral era um processo mental implícito. Os processos cognitivos envolvidos na produção e compreensão da linguagem falada diferem significativamente dos processos cognitivos envolvidos na leitura e na escrita. A procura de uma explicação neurocientífica cognitiva, para a leitura, tem sido objeto de uma imensa quantidade de estudos. Os resultados têm sido convergentes apresentando um conjunto bastante consistente de conclusões.

(...)

Aprender a ler não é um processo natural. Contrariamente à linguagem oral a leitura não emerge naturalmente da interação com os pais e os outros adultos, por mais estimulante que seja o meio a nível cultural. Para aprender a ler é necessário ter uma boa consciência fonológica, isto é, o conhecimento consciente de que a linguagem é formada por palavras, as palavras por sílabas, as sílabas por fonemas e que os caracteres do alfabeto representam esses fonemas. A consciência fonológica é uma competência difícil de adquirir, porque na linguagem oral não é percetível a audição separada dos diferentes fonemas. Quando ouvimos a palavra “pai” ouvimos os três sons conjuntamente e não três sons individualizados. Para ler é necessário conhecer o princípio alfabético, saber que as letras do alfabeto têm um nome e representam um som da linguagem, saber encontrar as correspondências grafo-fonémicas, saber analisar e segmentar as palavras em sílabas e fonemas, saber realizar as fusões fonémicas e silábicas e encontrar a pronúncia correta para aceder ao significado das palavras.

(...)

Para realizar uma leitura fluente e compreensiva é ainda necessário realizar automaticamente estas operações, isto é, sem atenção consciente e sem esforço. A capacidade de compreensão leitora está fortemente relacionada com a compreensão da linguagem oral, com o possuir um vocabulário oral rico e com a fluência e correção leitora. Todas as competências têm que ser integradas através do ensino e da prática.

(...)

As dificuldades na aprendizagem da leitura têm origem na existência de um défice fonológico. As crianças com dislexia embora falem utilizando palavras, sílabas e fonemas, não têm um conhecimento consciente destas unidades linguísticas, apresentam um défice a nível da consciência dos segmentos fonológicos da linguagem, um défice fonológico. As crianças que apresentam maiores riscos de futuras dificuldades na aprendizagem da leitura são as que no jardim-de-infância, na pré-primária e no início da escolaridade apresentam dificuldades a nível da consciência silábica e fonémica, da identificação das letras e dos sons que lhes correspondem, do objetivo da leitura e que têm uma linguagem oral e um vocabulário pobres.

Os fatores motivacionais são muito importantes no desenvolvimento da capacidade leitora dado que a melhoria desta competência está altamente relacionada com o querer, com a vontade de persistir, pese embora, as dificuldades sentidas e a não obtenção de resultados imediatos.

 

Teles. P. (2004). Dislexia: Como identificar? Como intervir? Revista Portuguesa de Clínica Geral,, Vol 20, Nº5.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O QUE PODE NÃO SABER SOBRE DISLEXIA

 

Se o seu filho chegou ao segundo ano e tem dificuldades em ler um texto adequado à sua idade e ano escolar, preocupe-se, preocupe-se muito. Se lhe disserem que isso passa com o tempo, que há de dar-lhe o clique, preocupe-se ainda mais, pois está a enfrentar dois problemas: o do seu filho e a ignorância de quem se devia preocupar. (Jorge da Cunha)


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1. A dislexia ocorre em todas as línguas e em crianças de todas as origens, independentemente da etnia ou condição socioeconómico. 


2. Muitos disléxicos tornam-se adultos bem-sucedidos, seja por causa de seu cérebro diferente ou apesar dele. Ter dificuldades de aprendizagem não condena o aluno ao fracasso. Os disléxicos podem ser médicos, advogados, professores e empresários, bem como artistas, músicos, enfermeiros e bombeiros...


3. Durante anos, as leis de educação especial recusaram-se a usar a palavra "dislexia", embora não esteja totalmente claro o motivo. 


4. Especialistas apontaram que a dislexia já foi considerada (erroneamente) uma condição médica, e outros disseram que a dislexia era muitas vezes deixada de fora das leis porque o "tratamento" era caro e requeria um professor especializado na área.


5. O conhecimento sobre dislexia está a crescer, em grande parte graças à ação por parte de pais e professores (mas também aos avanços da ciência e associações). 


6. A consciência e ativismo na área da dislexia estão a contribuir para a mudança das leis. 


7. Os países (no caso de Portugal, mais as associações, escola, clínicas especializadas, académicos...) estão a tomar medidas relativas ao diagnóstico e acompanhamento.


8. Não há "cura" para a dislexia (não é nenhuma doença). Porém, quando são aplicadas terapêuticas confiáveis, baseadas na ciência e não no senso comum, os alunos disléxicos aprendem a ler e podem ter, como quaisquer outros, sucesso académico e a vida que escolherem.

(Tradução livre e adaptada)

 

Imagem: https://miro.medium.com/max/2400/0*4pI84N6R3jenvcb-.jpg

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WHAT YOU MIGHT NOT KNOW ABOUT DYSLEXIA 

We’ve discussed the overarching and compelling WHY, now let’s discuss some broad strokes of WHAT:

·       Dyslexia occurs in every language and in children from every background, regardless of race or socioeconomic status.

·       Many dyslexics become successful adults, whether it’s because of their different brain, or in spite of it. Having a learning difference doesn’t doom a student to failure. Dyslexics are doctors, lawyers, professors and business people as well as artists, musicians, nurses and firefighters.

·       For years, state special education laws refused to use the word “dyslexia,” though it’s not entirely clear why.

·       Experts have pointed out that dyslexia was once thought (wrongly) to be a medical condition, and others have said that dyslexia was often left out of laws because the “treatment” is both expensive and needs a specially trained teacher to administer correctly.

·       Dyslexia awareness and understanding is growing, thanks in large part to passionate activism on the part of frustrated parents and teachers who are moving schools and districts toward change.

·       The awareness and activism is slowly changing the omission of dyslexia from law: thirty-nine states have passed dyslexia laws surrounding learning disabilities in the past few years, slowly making their way down into districts.

·       The state of California, along with Tennessee and a few others, have in the past couple of years issued first-ever specific guidance for schools and educators on how to assess and provide resources for those diagnosed with dyslexia.

·       There is no “cure” for dyslexia. But when reliable, research based interventions are methodically applied, students can go on to read, they can be academically successful, and they can go on to live fulfilling lives doing whatever they choose.

https://www.kqed.org/author/hollykorbey

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domingo, 25 de outubro de 2020

A dislexia na música: Pearl Jam

A razão que leva à publicação desta música dos Pearl Jam neste espaço deve-se ao facto de abordar o tema da dislexia. O poema foi construído tendo por base esta realidade, abordando a violência da incompreensão da diferença e desordem do desejo de agradar. 




Pearl Jam

Daughter

 

Alone, listless
Breakfast table in an otherwise empty room
Young girl, violence
Center of her own attention
The mother reads aloud, child tries to understand it
Tries to make her proud
The shades go down, it's in her head
Painted room, can't deny there's something wrong

Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me

She holds the hand that holds her down
She will rise above

Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me

The shades go down
The shades go down
The shades go go
Go

 

Fonte: LyricFind

Compositores: David Abbruzzese / Eddie Vedder / Jeff Ament / Mike Mccready / Stone Gossard

Letras de Daughter/Instant Karma © Warner Chappell Music, Inc, Universal Music Publishing Group

 

Tradução

 

Filha

 

Sozinha, indiferente

Mesa do pequeno almoço numa sala outrora vazia

Menina jovem, violência

Centro da sua própria atenção

A mãe lê em voz alta, a criança tenta compreender

Tenta fazê-la orgulhosa

As sombras descem na sua cabeça

Quarto pintado, não pode negar que há algo errado

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames

Ela segura a mão que a limita

Ela subirá ao alto

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames filha, não estou pronta para isso

O porta-retratos me lembrará

Não me chames

 

As sombras descem

As sombras descem

As sombras

domingo, 18 de outubro de 2020

Aprender a ler: uma revolução no cérebro


Stanislas Dehaene

Entrevistado por Mariana Sgarioni

Revista Quanta

http://revistaneuroeducacao.com.br/aprender-a-ler-uma-revolucao-no-cerebro/





“Quero lembrar, no entanto, que todas as crianças são capazes de aprender a ler, sem exceção. Algumas com um pouco mais de dificuldade, outras não.”


Ao ler este texto está a executar uma tarefa para a qual o seu cérebro não foi concebido. Pode até achar que a leitura é um ato quase automático. Mas o seu cérebro não acha. Pelo contrário, ele faz uma verdadeira ginástica para se adaptar ao ato de ler. Neste momento, uma revolução de sinapses está acontecendo a cada fração de segundo para que possa decifrar as palavras aqui impressas. Isso porque a escrita é algo recente, se pensarmos na escala da evolução humana (tem cerca de 5 mil anos). Quem conseguir se lembrar do próprio processo de alfabetização vai saber que não se trata de algo tão fácil. “Todas as crianças, seja qual for a língua, encontram dificuldades para aprender a ler. Estima-se que 10%, quando adultas, não dominem a compreensão de texto”, afirma o matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene. No seu livro Os neurónios da leitura (Artmed, 2012), o diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde de França mostra que pesquisas da psicologia cognitiva experimental já mapearam as áreas envolvidas no reconhecimento da palavra escrita no cérebro. Tal descoberta questiona as metodologias empregadas nas escolas, que, na sua maioria, diz Dehaene, fazem do aluno uma máquina de soletrar, incapaz de prestar atenção ao significado. Segundo ele, o cérebro aprende melhor pelo som do que pela imagem. Ou seja: o ensino deveria ser centrado nos fonemas, e não em figuras. Tanto que há um progressivo aumento da atividade de duas regiões cerebrais ligadas ao tratamento fonológico durante o aprendizado da leitura. Nascido no norte da França, Dehaene dedicou-se primeiro aos estudos da matemática. No entanto, a sua paixão sempre foi o funcionamento do cérebro. Hoje, é professor no Collège de France. “O meu interesse pela capacidade de ler é porque se trata do principal movimento que o cérebro realiza ao longo da vida. Há outra mudança importante, que é o aprendizado da matemática.” Ele pretende que a pedagogia e a psicologia possam beneficiar dos estudos da neurociência para criar métodos de ensino mais eficazes. “A escola transforma o nosso cérebro”, diz. “Para o bem, claro”, completa.


NE: O senhor afirma que a leitura causa uma reviravolta nas nossas funções cerebrais preexistentes. Porquê?

 

Dehaene: Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que a leitura é uma das várias atividades que o homem criou nos últimos milhares de anos. E trata-se de uma das mais recentes. A escrita nasceu há cerca de 5.400 anos e o alfabeto propriamente dito não tem mais de 3.800 anos. Se pensarmos na evolução humana, esse tempo é mínimo. Nosso genoma ainda não teve tempo de se alterar para dar conta de desenvolver um cérebro adaptado à leitura. Por isso, afirmo que o ato de ler é uma revolução: mesmo sem termos essa capacidade, o estudo de imagens cerebrais mostra-nos que adquirimos mecanismos extremamente requintados exigidos pelas operações da leitura.

 

NE: Como é que isso acontece no cérebro?

 

Dehaene: Temos uma plasticidade sináptica desde que nascemos até a idade adulta. É ela que faz uma reconversão parcial da arquitetura do nosso córtex visual de primatas para reconhecer letras e palavras. Aprender a ler possibilita uma conversão de redes de neurónios, inicialmente dedicadas ao reconhecimento visual de objetos. Embora não exista uma área pré-programada para a leitura, podemos localizar diversos setores do córtex cerebral como responsáveis pela atividade. Um setor está em contato com as entradas visuais; outro codifica essas entradas com precisão espacial; outro integra as entradas de uma vasta região da retina, e assim sucessivamente. No córtex, estão os neurónios mais adaptados à tarefa de ler. Especificamente, nos humanos, quem responde é o córtex occipitotemporal esquerdo. Porém, se no curso da aprendizagem, por alguma razão, essa região não estiver disponível, então a região simétrica do hemisfério direito entra em jogo.

 

NE: Isso quer dizer que o cérebro é tão plástico que é capaz de se transformar e atender a qualquer uma de nossas necessidades?

 

Dehaene: Não. Existe a teoria, aliás, revisitada por inúmeros pesquisadores, que aderem a um modelo que eu chamo de plasticidade generalizada e relativismo cultural. Segundo ela, o cérebro seria tão flexível e maleável que não restringiria em nada a amplitude das atividades humanas. Diferentemente de outras espécies, ele seria capaz de absorver todas as formas de cultura. Pretendo mostrar no meu livro que dados recentes da imagem cerebral e da neuropsicologia recusam esse modelo simplista. Ao examinar a organização cerebral dos circuitos da leitura, vemos que é falsa a ideia de um cérebro virgem, infinitamente maleável, capaz de absorver todos os dados da sua cultura.

 

NE: Entretanto, somos capazes de atividades extraordinárias, como ler, por exemplo.

 

Dehaene: Sim, o nosso cérebro é evidentemente capaz de aprender. Porém, essa capacidade é limitada. Em todos os indivíduos do mundo, não importa a cultura ou o idioma, a mesma região cerebral – com diferenças mínimas – é ativada para decifrar palavras escritas. A minha hipótese é diferente dessa do relativismo. Proponho o que chamo de “reciclagem neuronal”. De acordo com essa hipótese, acredito que a arquitetura do nosso cérebro é construída com bases fortes genéticas. Mesmo assim, os sentidos do nosso córtex visual possuem uma margem de adaptação, uma vez que a evolução nos dotou de certa plasticidade e capacidade de aprendizagem. Isso quer dizer que os mesmos neurónios que reconhecem rostos ou corpos podem desviar-se das suas preferências e responder a objetos ou formas artificiais, como as letras. O nosso cérebro molda-se ao ambiente cultural, não respondendo cegamente a tudo o que lhe é imposto. Apenas converte a outro uso as suas predisposições já presentes. Ele faz o novo com o velho. O cérebro não evoluiu para a escrita, por exemplo. Foi a escrita que evoluiu para o nosso cérebro.

 

NE: Como “a escrita evoluiu para o nosso cérebro”?

 

Dehaene: Examine-se os sistemas de escrita. Eles revelam numerosos traços em comum. Por exemplo: todos, sem exceção, incluindo caracteres chineses, utilizam um pequeno repertório de base cuja combinação gera sons, sílabas e palavras. Essa organização ajusta-se à hierarquia das nossas áreas corticais, cujos neurónios reconhecem unidades de tamanho e invariância crescentes. O tamanho e a posição dos caracteres também correspondem à nossa capacidade de visualização e retenção.

 

NE: Desta forma, existe então um sistema de alfabetização mais eficaz para o nosso cérebro?

 

Dehaene: Sem dúvida. Em vez de focar os esforços no ensino das unidades visuais, é preciso mudar para unidades auditivas. Sons, fonemas. Jogos fonológicos podem auxiliar, desde pequena, a criança a reconhecer palavras. É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para só depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. Depois disso é que a criança estará pronta para juntar as letras. Desconfio de cartilhas muito coloridas e bonitas, cheias de desenhos e pouco texto, assim como cartazes desenhados nas paredes da escola que trazem as mesmas letras na mesma posição o ano inteiro. Existe um risco enorme de os alunos – em geral, os mais brilhantes – memorizarem as posições fixas de cada palavra ou a aparência da página. Dão a impressão de saberem ler, mas não sabem.

 

NE: Existe, portanto, diferença entre aprender a ler e compreender o texto.

 

Dehaene: Sim, claro. A compreensão daquilo que se lê não está descrita na minha pesquisa. Mas isso requer a mobilização de competências cognitivas muito mais complexas do que as envolvidas no processo da alfabetização. Para compreender não é necessário saber ler. Há adultos analfabetos que entendem muita coisa, apenas não aprenderam a ler.

 

NE: Existe idade ideal para aprender a ler? Há prejuízos quando isso ocorre na idade adulta?

 

Dehaene: Pesquisei toda a literatura disponível a respeito da idade ideal para a alfabetização. Há países que alfabetizam alunos com 6 ou 7 anos e até mais tarde. Outros, com 4 anos. Não encontrei nada que sugira que exista um período crítico para essa aprendizagem. Não haverá danos para o cérebro se a aprendizagem for mais tarde – ele reconhece objetos novos o tempo todo, não importa a idade. Continuamos aprendendo, mesmo aos 40, 50 anos. Há diversos estudos internacionais com adultos que aprenderam a ler perfeitamente. Portanto, não acredito nessa limitação.

 

NE: Há alguma ativação cerebral peculiar em quem lê e fala mais de um idioma? E em quem domina línguas com alfabetos ou grafias diferentes?

 

Dehaene: Nós não sabemos o que se passa exatamente com pessoas bilíngues, ou seja, alfabetizadas em dois idiomas. Fizemos experiências com pessoas que leem chinês e outra língua e constatámos que praticamente a mesma região cerebral é ativada. Evidentemente devem existir microdiferenças, mas nada marcante.

 

NE: O nosso cérebro descodifica letras e números da mesma maneira?

 

Dehaene: Não. Os estudos mostram que não é a mesma região cerebral que analisa as letras e os números. Pesquisamos pessoas que perderam a capacidade de ler e continuam a reconhecer números. Há uma pequena região lateral, a um centímetro daquela que reconhece as palavras, que é a responsável pelos números. As formas das letras e dos números são diferentes e culturais. As letras estão ligadas à linguagem e os números ao senso de quantidade. São dois sistemas diferentes de entendimento.

 

NE: De que forma acontece a alfabetização no cérebro de pessoas cegas e surdas?

 

Dehaene: É extraordinário, pois os cegos que aprendem a ler em braile, uma atividade tátil, ativam a mesma região cerebral da leitura. É incrível, pois essa região não recebe os estímulos visuais, mas recebe os estímulos táteis. As formas visuais das palavras são ativadas pelo tato, ao tocar as letras em braile. É uma experiência que transforma as imagens em sons, o que demonstra que a língua falada não é exclusivamente visual, ela também é tátil. A aprendizagem em braile é muito eficiente. No caso dos surdos, a aprendizagem é mais difícil. É como aprender a ler numa outra língua – uma criança portuguesa lendo em chinês, por exemplo. Ela não conhece os fonemas, as representações fonéticas. É preciso que o professor tenha o conhecimento dessa dificuldade, e uma maneira de trabalhar é ajudando o aluno a tomar consciência da fonologia, tocando na sua boca a região correspondente ao fonema quando se pronunciam as palavras. Quero lembrar, no entanto, que todas as crianças são capazes de aprender a ler, sem exceção. Algumas com um pouco mais de dificuldade, outras não.

 

NE: Além das estratégias da sala de aula, há outras atividades que favorecem a aprendizagem da leitura e da escrita?

 

Dehaene: O sono é essencial para consolidar a aprendizagem. É o que o cérebro faz durante a noite. Pais que reclamam de dificuldades de aprendizado ou de distúrbios de atenção devem, num primeiro momento, entender que a noite é para dormir, e não para ficar no computador ou na televisão. Todos os cérebros são capazes de aprender. Apenas é preciso sistematizar o ensino.

 

NE: As pesquisas mostram que se lê pouco e não se pratica a atividade por prazer. Uma das causas pode estar no processo de alfabetização?

 

Dehaene: Podem não ler livros, mas leem muito pela internet. Hoje há formas diferentes de leitura. Na internet, é possível ler bastante, pesquisar, procurar novas informações. Há muito mais pesquisas, por exemplo, do que antes. Não acredito na falência da leitura, muito pelo contrário. Acho que ela vai continuar, mas de outra forma. Assim como nós também evoluímos desde Gutenberg (gráfico alemão que revolucionou a escrita com a invenção da prensa de tipos móveis). Vamos descobrir novos meios de escrita e leitura. E, com certeza, o nosso cérebro vai moldar-se novamente.

 

Nota: Texto com ligeiras adaptações ao português europeu.
 

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Educação Inclusiva ou Completa? - Da Exclusão à Inclusão (pp. 40-56)

Vale a pena espreitar todos os conteúdos da revista DesConfinar, acabadinha de sair, pensada e organizada pelo Professor Doutor Joaquim Colôa. A revista tem a participação de vários autores de várias áreas, incluíndo a educação.


Siga este endereço e boa leitura.
https://www.slideshare.net/jcoloa/desconfinar-joaquim-cola